Prezada sequestradora,
Não que lhe preze de verdade, mas não sabia ao certo que cumprimento usar. O que venho através dessa carta é pedir, mais do que pedir, suplicar que me devolva para mim. Que me leve de volta para o meu lugar, devolva meus sonhos e planos, deixe-me recuperar meus amores.
Não creio que este seja um pedido incabível, eu, melhor do que ninguém, o posso fazê-lo. Podia, para convencê-la, contar-lhe minha história, descrever meu sofrimento, se bem que os conhecem todos, pois fostes a única durante este cativeiro a testemunhar a minha dor.
Eu sei que não adianta gritar, brigar ou espernear, resolvi, então, lhe escrever de forma adulta e cordial, para quem sabe, você me ouça, me atenda e me liberte. Permita-me ser eu mesma, sem medo nem receio, e talvez amanhã quando despertar a primavera, o raio de sol que acorda as flores venha iluminar o meu quarto, uma suave brisa bata a minha janela e a porta se abra para a rua, para as cores e para quem quer que passe.
Se meu pedido, até agora, não alcançou seu consentimento e sua compaixão, gostaria que se lembrasse do dia em que me fez prisioneira e roubaste o meu céu.

Quero que se lembre desse dia, do frio da tarde que previa o inverno. Quero que se lembre e não me permita esquecer do gosto das coisas simples.
Não quero sua tecnologia, seu raciocínio lógico ou sua inteligência, não quero ciências exatas, nem sua matemática; não quero os números que revestem as paredes, as possibilidades de fracassos e as porcentagens, não ligo para os gráficos ou para as pesquisas das grandes revistas, não preciso de toda essa proteção.
Só te peço que me devolva as boas lembranças, a liberdade de pisar na areia e senti-la entre meus dedos, o gosto da chuva tocando o meu rosto e o cheiro da terra molhada. Devolva-me o brilho nos olhos e o sorriso verdadeiro.
Permita que esse inverno acabe, que venha logo a primavera com sua roupa leve e colorida, e que no verão esta história seja contada, pela lição que dela foi tirada, da vez em que a razão seqüestrou a emoção, mas em tempo caiu em si, entendeu que assim não podia ser feliz, que o certo as vezes é incerto e que o exato é passivo a falhas; voltou, então, a sua razão fez-se submisso ao seu seqüestrado, tornou-se aliado do seu coração.
VIVIANE DAS GRAÇAS VIEIRA
Nenhum comentário:
Postar um comentário