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Hobbies

"Hobbies são manias que protegem o mundo de nossa insanidade, adquira alguns e terá menos vontade de atirar objetos sobre outras pessoas."
Viviane das Graças Vieira


quarta-feira, 23 de junho de 2010

CARTA À SEQUESTRADORA

Prezada sequestradora,
Não que lhe preze de verdade, mas não sabia ao certo que cumprimento usar. O que venho através dessa carta é pedir, mais do que pedir, suplicar que me devolva para mim. Que me leve de volta para o meu lugar, devolva meus sonhos e planos, deixe-me recuperar meus amores.
Não creio que este seja um pedido incabível, eu, melhor do que ninguém, o posso fazê-lo. Podia, para convencê-la, contar-lhe minha história, descrever meu sofrimento, se bem que os conhecem todos, pois fostes a única durante este cativeiro a testemunhar a minha dor.
Eu sei que não adianta gritar, brigar ou espernear, resolvi, então, lhe escrever de forma adulta  e cordial, para quem sabe, você me ouça, me atenda e me liberte. Permita-me ser eu mesma, sem medo nem receio, e talvez amanhã quando despertar a  primavera, o raio de sol que acorda as flores venha iluminar o meu quarto, uma suave brisa bata a minha janela e a porta se abra para a rua, para as cores e para quem quer que passe.
            Se meu pedido, até agora, não alcançou seu consentimento e sua compaixão, gostaria que se lembrasse do dia em que me fez prisioneira e roubaste o meu céu.
Lembro que era uma tarde de outono, um lindo céu azul, uma brisa gostosa que fazia os galhos das árvores dançar levando ao chão as folhas amareladas, lembro das crianças correndo no parque jogando uma pequena bola para um cachorro, recordo, como se fosse hoje, dos adolescentes que voltavam da escola comemorando o fim de mais um dia de aula.
Quero que se lembre desse dia, do frio da tarde que previa o inverno. Quero que se lembre e não me permita esquecer do gosto das coisas simples.
Não quero sua tecnologia, seu raciocínio lógico ou sua inteligência, não quero ciências exatas, nem sua matemática; não quero os números que revestem as paredes, as possibilidades de fracassos e as porcentagens, não ligo para os gráficos ou para as pesquisas das grandes revistas, não preciso de toda essa proteção.
Só te peço que me devolva as boas lembranças, a liberdade de pisar na areia e senti-la entre meus dedos, o gosto da chuva tocando o meu rosto e o cheiro da terra molhada. Devolva-me o brilho nos olhos e o sorriso verdadeiro.
Permita que esse inverno acabe, que venha logo a primavera com sua roupa leve e colorida, e que no verão esta história seja contada, pela lição que dela foi tirada, da vez em que a razão seqüestrou a emoção, mas em tempo caiu em si, entendeu que assim não podia ser feliz, que o certo as vezes é incerto e que o exato é passivo a falhas; voltou, então, a sua razão fez-se submisso ao seu seqüestrado, tornou-se aliado do seu coração.

VIVIANE DAS GRAÇAS VIEIRA

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Dias...


Há dias e dias,
certos dias quando as coisas não fazem sentido,
quando a humanidade parece meio maluca.
Quando olhamos e não vemos,
Escutamos, mas não ouvimos.
Certos dias...

Dias de chuva ou de sol
- não sei –
Dias em que o sol não esquenta
E a chuva não molha.
Dias...

Todo mundo já presenciou
Tal dia tão ausente:
Que não é passado, futuro
Ou presente

Existe um vazio tão cheio
E uma multidão tão solitária.
No meio do tumulto
Ouve-se o silencio
E o silencio é ensurdecedor.

Dói uma dor
de viver certos dias...

Dias que serão esquecidos
Ou depositados no inconsciente
Desse presente ausente
 Que deixa marcas na areia
Dos passos que não pisamos
De dias que não vivemos.


VIVIANE DAS GRAÇAS VIEIRA

domingo, 6 de junho de 2010

INSANIDADES

- As fotos ficaram ótimas, você não acha?
A pergunta parecia não fazer sentido algum, seus olhos estavam fixos nas fotos, mas seus pensamentos voavam. Ignorando a ausência de resposta, o fotógrafo continua:
- O álbum completo ficará 180 reais já com 10% de desconto...
O homem parecia lançar palavras ao vento, falava do valor das fotos, da iluminação, das parcelas, do melhor dia pra pagar; e a garota parecia imóvel segurando uma foto. Na sua mente era como se o tempo tivesse voltado e ela pudesse ser telespectadora de toda aquela história.
Visualizou sua entrada no salão de formatura: estava linda, o cabelo com grandes e modelados cachos e um vestido preto frente única que havia lhe “caído como uma luva”. O cenário era perfeito, o salão todo decorado, as luzes e o som em uma harmonia única. Tudo parecia impecável ainda assim nenhum sorriso lhe escapava.
Havia se preparado o ano todo para aquele dia, eram tantas expectativas. Já tinha pensado em todos os detalhes e calculado todas as variáveis, mas um erro no percurso, uma palavra dita no momento errado mudou completamente seus planos.
Uma tarde, um ônibus, um pedido, uma resposta, uma palavra. Parecia tão simples...
A seqüência trágica de desencontros a levou até aquele momento. Entrava no salão acompanhada por um jovem bem trajado e igualmente sério, observaram a mesa onde haviam alguns amigos e sentaram. A situação não lhe agradava, o rápido namoro havia terminado, não sem antes lhe deixar o amargo sabor da decepção.
Compreendeu que o relacionamento não tinha futuro e não estava triste pelo fim, estava triste pelo começo.
Ter o ex namorado como par para aquela noite tão sonhada não era o que esperava, contudo não podia voltar atrás.
A música já a deixava tonta, em uma tentativa de fuga levantou-se da mesa para andar pelo salão, foi quando...
- Qual o melhor dia para o vencimento?
-Ah?!
- Dia dez ou vinte?
Vinte metros, era a distancia que a separava da tentativa de salvar sua noite. Sem mais a perder subiu a escada até o fim do mezanino do saguão. Foi como se de repente estivesse vivendo o final de um daqueles filmes românticos que alcançam o ápice na festa do baile de formatura e mesmo depois de todos os desencontros no final do baile, ao som da ultima valsa, o casal apaixonado ainda tem uma chance.
Este era o momento em que tudo podia ser resolvido: o dialogo leve, os sorrisos, as palavras ganhavam forma  e encobriam o barulho ensurdecedor da música ao fundo. Nascia a esperança de um final feliz para aquela noite, nada mai importava. O som, as cores e tudo mais pareciam perder a cor diante daquela cena.
- Moça, dez ou vinte?
- Vinte. – falava sem compreender o porquê.
Logo seus pensamentos voltaram para aquela noite Tudo tão perfeito, tão especial e único, o final feliz com o qual sonhara estava acontecendo.
Os olhares dos dois se cruzaram, um silêncio expectante surgia, a vida em volta desvanecia para dar lugar ao som, ao tom, à cor daquele momento. A aproximação sutil...
- Assine aqui, por favor.
A garota segurou-se para não insultar aquele que ousava interromper o ponto alto do seu devaneio. Só não o fez porque o fotografo revivia uma personagem também presente na história daquela noite.
Sutil como uma manada de gnus fugindo da presa, foi assim o surgimento da terceira pessoa – que fique claro:  não convidada a participar daquele instante.
( Paro por aqui para permitir que você volte e releia a emocionante cena descrita antes da pergunta do fotógrafo para que possamos continuar)

... A aproximação sutil do jovem casal foi subitamente interrompida pela participação especial de uma nova personagem intitulada como “a amiga”.
Por mais que tentasse, sua lembrança não ultrapassava esse ponto. O clima de romance foi substituído pelo desconcerto e improviso, a noite terminou antes do previsto e o que restou foram algumas fotos.
O fotografo se despediu e a moça em passos lentos dirigiu-se de volta para dentro da casa. Guardou o álbum em uma parte pouco utilizada do armário em baixo de alguns livros e nunca mais tirou de lá.
Questionada meses mais tarde a respeito do desaparecimento do fotografo ela alega jamais tê-lo visto.
Ainda há gotas de sangue no álbum...


VIVIANE DAS GRAÇAS VIEIRA