Estou lhe escrevendo pra dizer que sinto sua falta. É sério, sinto mesmo. A vida perdeu um pouco da cor, as noites ficaram mais longas e os dias vazios, até mesmo as ameixas da casa do vizinho deixaram de ter o mesmo sabor.
Cheguei a casa mais cedo certa tarde e procurei na casa inteira, revirei meus livros, passei por todos os canais da TV, fiz uma busca avançada no Google e ainda assim não encontrei o que procurava. Corri a mão na lista telefônica e já estava preparada para ligar para o CVV, então olhei o porta-retrato na escrivaninha do lado do telefone e percebi que sentia tua falta.

Sinto falta do sorvete que dividíamos quando tínhamos tempo entre uma aula e outra, ou dos salgadinhos que comprávamos depois de ter contado todas as moedas do fundo da bolsa...
Sinto falta das conversas embaixo de uma grande árvore que tinha na praça, de como o vento soprava de leve e a sombra era gostosa. Também sinto falta das vezes que chovia e tínhamos que sair correndo a procura de um abrigo...
Sinto falta das vezes que conversávamos e conversávamos por horas... Sinto falta de quando dividíamos a caixa de bombom dentro do cinema, enquanto todo mundo comia pipoca; de quando dividimos o último pacote de batatas fritas, de quando dividimos problemas, soluções, medos, paranóias e bobagens... Muitas bobagens...
Tenho saudades das vezes que brigávamos para ver quem estava certo, mas no fim nem importava. Tenho saudades de quando orávamos juntos, cantávamos juntos, acordávamos de madrugada, enfrentávamos a chuva e o céu negro da tempestade, depois nos encolhíamos embaixo de um só guarda chuva...
Pode parecer nostálgico, e é! Mas hoje, por esse minuto quero me permitir ser... Em alguns momentos - preciosos e bons momentos - a vida nos permite ver um filme antigo rodando na nossa memória. E só quem já sorriu dos próprios tombos, quem já tomou banho de chuva, já pagou mico no ônibus ou ficou batendo papo até altas horas na calçada pode entender o gosto que tem a experiência de tentar puxar esses momentos de novo e tentar fazer acontecer mais uma vez.
Sinto falta de quando jogávamos Uno, assistíamos a filmes no meio da tarde. Atravessávamos a pé o lado errado do estacionamento do shopping, apostávamos quem comia o lanche mais rápido, rachávamos a conta. Corríamos pra pegar o ônibus, sentávamos nos bancos altos ou nos últimos só para não fugir do convencional.

Sinto falta de tanta coisa, que quase nem cabe em mim...
Por não caber em mim, a saudade me convenceu a te escrever. Não faz tanto tempo que nos vemos, foi perto do orelhão aqui na rua, há poucas horas na igreja, de manhã pela janela do ônibus... Nem estamos há tanto tempo sem se falar foi nesta ou na outra semana pelo telefone ou e-mail. Mas parece que faz tempo, porque quando cheguei a casa, cheguei cedo demais e tinha tempo demais até a hora de dormir, foi assim que encontrei espaço demais pra sentir sua falta.
Amanhã quando nos encontrarmos ou nos falarmos, ou mesmo se isso não acontecer porque a distância pode impedir gostaria que soubesse que ainda há espaço no meu tempo e na minha memória para mais sorvetes, mais filmes, mais conversas e mais risadas... Eu sempre vou estar aqui...
VIVIANE DAS GRAÇAS VIEIRA